quarta-feira, 25 de maio de 2011

Happy 70th Birthday, Bob!


“Esta é a história de um poeta e músico nascido e renascido vezes a fio, que morreu diversas mortes e ainda assim continuou a viver. É a história de um herói popular que negou o próprio heroísmo, de um rebelde que desafiou a sua cultura com tal eloqüência que ajudou a criar uma contracultura, e que então se voltou contra os excessos do que ajudou a criar.” Assim o lendário crítico Robert Shelton define Bob Dylan, no ‘Prelúdio’ de sua Biografia sobre aquele que seria conhecido como ‘a voz de sua geração’, intitulada ‘No Direction Home’, da qual já falamos neste Blog, num belíssimo artigo da jornalista Raquel Cozer. Mais à frente, em seu livro, Shelton, que tanto impulsionou a carreira do biografado, com aquele célebre texto publicado no ‘The New York Times’, em 29 de setembro de 1961, afirma que Dylan “tirou a poesia de prateleiras empoeiradas e a colocou na jukebox” e, em seguida, vai ainda mais além, quando diz que “as definições de literatura precisaram ser expandidas em novas formas, para incluir a arte de Dylan.”

Pois bem, este velho bardo, tantas vezes morto e outras tantas renascido, chegou aos 70 anos, em plena produção artística, jovem como sempre...

Ao contrário de outros, que ficaram pelo caminho e ainda outros mais, cujos talentos minguaram ou desapareceram por completo, Dylan continua na crista da onda. Escreveu o primeiro volume de suas crônicas; sua obra continua servindo de tema de estudos das mais reconhecidas universidades; recebeu o Prêmio Pulitzer, por sua contribuição à música popular; ganhou um Oscar e tem nos presenteado com seus últimos álbuns de estúdio, de ‘Time Out of Mind’, de 1997, até ‘Together Through Life’, de 2009, todos de altíssima qualidade. Isso sem falar na ‘Turnê Sem Fim’, que ainda percorre as estradas do mundo todo e, recentemente, em meio a muita polêmica, chegou à China! Things have changed and Dylan with them.

Dylan ainda está vivo! Ainda compõe músicas de rara beleza, de puro lirismo, como ‘Mississippi’, registrada em seu álbum ‘Love and Theft’ de 2001. Dylan continua a ser um artista que se reinventa e que tudo o que pretende é tradurzir-se em suas próprias canções...

Rendo, portanto, minha homenagem a este bardo; poeta; profeta; rebelde; pintor; alguém que tanto me ensinou sobre amor e perda, esperança e desolação, fé e descrença; parceiro de madrugadas e bebedeiras; distante e tão perto, tão presente, que mais parece um velho amigo, daqueles que nunca nos abandonam.

“May your heart always be joyful; May your song always be sung; May you stay forever young.”

Happy 70th Birthday, buddy!

24 de maio de 2011.
Sérgio

terça-feira, 24 de maio de 2011

O Mentiroso

Por Marcelo Xavier


Eis o homem! Tem aquela famosa cena no meio do show do Royal Albert Hall em 1966 (que na verdade não é no Albert Hall) onde um sujeito na platéia - escandalizado pela barulheira neurótica que Bob Dylan (que faz hoje 70 anos (de idade) transformara a sua apresentação, colocando uma banda de rock no último volume tocando blues pesado depois de um set acústico - sobe na cadeira e chama o menestrel das esquerdas de "Judas". Ao passo que o compositor, enquanto procura o gozador na platéia, responde: "eu não acredito em você. Você é um mentiroso".

Pois a verdade é essa: você é que é o mentiroso, caro sr. Bob Dylan. Mentiroso e oportunista. Você fez todo mundo de bobos. Seu método foi simples. Você viu que a onda do rock tinha passado junto com a cultura dos anos 50 como um juiz nos seus últimos anos de magistratura. Não foi isso o que você falou no Crônicas, seu picareta??

Você é apenas um rábula que vivia rondando universidades até que descobriu que uma garotada que vivia em Nova Iorque havia redescoberto aquele pessoal de esquerda dos Weavers, que todo mundo agora estava curtindo Paul Anka e você não tinha voz nem físico nem carisma para ser um Pat Boone, leu sobre os vagabundos da América beat e virou uma versão moderna deles.

Então você deve ter pensado MAQUIAVELICAMENTE da seguinte maneira: todo mundo acha que esses rapsodos estilo Woody Guthrie são uns sujeitos que fazem puro proselitismo em letras de um engajamento político de algibeira. Já que todos pensam que esses folk singers não passam de um bando de simplórios que acham que vão matar fascistas com um violão rachado E PREGAR UMA PEÇA NOS FARISEUS.

A fórmula era simples: aproveitar a onda da boemia bem vestida do Village que, depois do ressurgimento da onda folk em Newport (ali por 1960) e do recrudescimento de movimentos pelos Direitos Civis, e entrar nessa nova onda.


"Vou virar um folk singer de 18 anos fazendo cara de cachorrinho abandonado, usando botas de guarda-freios embarradas, um boné, uma gaita, vou ouvir todos os discos possíveis de blues, de folk, vou copiar o Dave Van Ronk, Charlie Patton e todo aquele pessoal do Anthology of American Folk Music, vou aprender dedilhados e acordes de blues, vou aprender harmonica, vou ver Genet, Balzac, Gogol, Victor Hugo, o Metamorfoses do Ovídio, a autobiografia Davy Crockett, roubar discos dos meus amigos, procurar Clausewitz, Faulkner, Poe, Longfellow e entrar em todas essas transas literárias e não ter nenhuma pose de intelectual. Vou ser um intelectual sem biblioteca. Vão me perguntar de onde eu aprendi a toca violão e vou dizer que foi através de um sujeito de pés de casco de bode na auto-estrada 61".

Bob Dylan, esse mentiroso. O plano dele é simples, e todos caíram. ele sabia que a cultura imediata do seu tempo estava com os dias contados, o grande golpe era aproveitar que o folk estava na mesma transa dos movimentos de esquerda. E pensou: "Vou ser o queridinho deles". Assim, Bob Dylan, na meca das editoras musicais, começou a fazer barulho e marquetear a sua imagem de Werther com um violão no colo e carinha de menor abandonado. Pegou todo repertório possível de blues e folk e estudou todas as possibilidades de arquivar aquilo, graças à sua memória de elefante.

E foi simples: Dylan pegava cançonetas tradicionais obscuríssimas, como No Auction Block, fazia uma paráfrase marota, escrevia algo ordinário e que todos queriam ouvir, como "quantos caminhos um homem precisa trilhar para tornar-se um homem?".

Foi assim que o sr. Zimermann inventou essa mentira, chamada Bob Dylan. Ele plagiava dezenas de temas folk, escrevia letras de protesto inteligentíssimas e que convergiam para todo o movimento de massas que crescia nos Estados Unidos do começo dos anos 60. Só precisava chamar a atenção de algum produtor de discos, arranjar um empresário (de preferência, inescrupuloso) e dar visibilidade àquele fait-divers peripatético do menino menor abandonado e frágil que, de repente abre a voz fanhosa e canta versos intermináveis denunciando injustiças sociais, políticas beligerantes pró-intervenção ianque no Extremo Oriente, assassinatos covardes de líderes sociais e empregadas domésticas, crônicas de desvalidos e sem culotes da vida afora.

Agora basta enlatar e vender para as massas. Dylan ainda caiu nas graças de um certo Albert Grosmann, que juntou a sua inescrupulosidade (?) com e dele (Grosmann tinha uma transa com o pessoal de Newport e com as editoras do Tim Pan Alley e, do Café Wha! para as prateleiras de discos e programas de tevê era um pequeno passo) e, desse conúbio, Dylan inventou a sua reputação. De uma hora para outra, a juventude americana não queria mais Frankie Avalon, Pat Boone, Neil Sedaka e essa estirpe de cantores fabricados para bobbysockers.


Bob Dylan acabou com eles. e paulatinamente ia acabar com o mercado dos cantores-intérpretes: a partir dali, o mercado queria consumir apenas cantores-compositores. Enfim: o crápula Dylan pôr o mercado fonográfico americano em xeque (a soldo de Havana ou Moscou, diziam) e a moda agora era ser fanhoso e talentoso, ou seja, um ultraje à moral e aos bons costumes.

Como se não bastasse, Bob Dylan não parou de mentir. Do nada, viu que a moda agora eram conjuntos musicais eletrificados fazendo música ligeira, como os Beatles. Mesmo que ele não gostasse, ele fez como fez com Patton, Guthrie, Henry Thomas e todos aqueles folk-singers castiços do tempo do gramofone. Resolveu forjar, da maneira mais abjeta e oportunista, a sua própria versão de uma banda de rock.

Foi quando ele cometeu o acinte de abandonar as jornadas de esquerda e escrever letras surrealistas e sem sentido nenhum, com versos ridículos como "o sol não é amarelo, é galinha", para provocar tanto quem caiu no seu conto do vigário quanto quem não gostava dele.

Sabem aquela querela em Newport, em 1965, quando ele trocou o violão pela guitarra? Ele morre dizendo que não, mas aquilo foi uma manobra WTF prá mandar todos aqueles ingênuos úteis às favas. Mandou o velho Pete Seeger pegar o seu avoengo e ingênuo We Shall Overcome e ver se ele está na esquina da 4th Street com um macaquinho e seu realejo e todos aqueles sombrios perdedores mortos-vivos da fila da Desolação. ele sabe que ninguém vai matar fascistas cantando isso. A verdade é essa: o Mr Jones eram eles, e eram vocês, que achavam que estavam tão certos do que sabiam e de toda a mensagem e estavam todos por fora.

Vocês não sabem nada, ficam citando livros e não aprenderam nada, todos são Judas. Dylan não é um Judas, Dylan é um personagem convencendo a VOCÊS a veracidade das mentiras dele, como diria o Paul Klee: os traidores são vocês, que não têm o que fazer. Vocês estão errados, vocês acreditaram num embuste, numa falcatrua. Não adianta reclamar com ele, reclamem com o SAC. Ele é um produto de consumo como tudo nesse mundo debaixo do sol.


Pior: depois de forjar aquele acidente de moto, ele voltou, anos depois, e gravou um disco imitando todos aqueles rednecks quadradões de Nashville enquanto gente como o Johnny Cash, o Waylon Jennings e o Willie Nelson quebravam lanças numa guerra cruenta contra o Nashville Sound, e Dylan resolveu adotar a pose de conservador e pai de família, com musiquinhas do tipo: "deita na minha cama, sua linda". Olha o naipe da parada. Menestrel das Esquerdas pai de família, pintando quadros e querendo dar tiros nos fãs chatos em Woodstock. Menestrel das Esquerdas. E a conta bancária? Vai bem?

Dylan: I don't believe you. You're a liar. Parabéns, seu mentiroso!

Texto originalmente publicado no Blog 'Pato Macho'.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Perto do mito


Sai no Brasil edição revisada de No Direction Home, biografia de Robert Shelton, jornalista que “descobriu” Bob Dylan em 1961 e teve acesso privilegiado à vida do músico:

O rapaz de 20 anos refletiu por dois instantes: “Bob Dylan, Bobby Dylan, Bob Dylan, Bobby Dylan… Escreva Bob Dylan! É como quero ficar conhecido.”

Transcorria a última semana de setembro de 1961, e o músico, após um show no clube Gerde’s Folk City, em Greenwich Village, falava pela primeira vez à imprensa. O entrevistador era um amigo recente, habitué da cena folk nova-iorquina, Robert Shelton (1926-1995) – que, dias depois, publicaria no New York Times: “Suas roupas podem estar precisando de ajustes, mas, quando ele toca violão, gaita ou piano, não restam dúvidas de que está arrebentando de tanto talento”.

À resenha se seguiu um contrato do então anônimo músico com a poderosa Columbia, mas os bastidores daquela noite e de inúmeras outras nos anos 60 – que outros biógrafos puderam só apurar, em vez de vivenciar – foram conhecidos apenas em 1986, quando Shelton enfim conseguiu publicar No Direction Home, projeto acalentado por duas décadas.


E só agora, 50 anos após aquele primeiro texto, passados 26 anos da morte do autor e no mês em que o compositor de Blowin’ in the Wind e Like a Rolling Stone completa 70 anos (no dia 24/05), a biografia sai nos EUA tal como Shelton a concebeu. Revisada por Elizabeth Thomson, amiga que acompanhou os anos finais de edição, foi também a primeira versão a sair por aqui, pela Larousse do Brasil, no último dia 15/05.

“Shelton sempre disse que a biografia havia sido ‘resumida sobre águas turbulentas’”, disse Thomson ao Estado. “O livro terminaria com a turnê de 1978. Como a edição demorou, ele teve que atualizar até os anos 80, que não era uma boa fase de Dylan, e ele não tinha muito o que dizer. O forte eram os anos 60, quando Dylan e ele saíam juntos. Boa parte foi cortada em 1986 para que o livro tivesse tamanho aceitável.”

A nova edição, com consideráveis 768 páginas, é bem mais detalhada sobre os anos 60 e termina como Shelton queria, em 1978. Um ponto alto é a descrição de um voo no avião particular de Dylan, em 1966, quando uma exclusiva era chance rara para qualquer jornalista. A edição de 1986 deixou a situação “formal e entediante”, segundo Thomson. “Não dava a dimensão do que era aquele homem acelerado, por bebidas, drogas ou o que fosse, falando sem parar.”

No livro, Shelton descreve: “O ritmo do discurso e a vitalidade dos pensamentos passaram a inflamar Dylan. Seus olhos estavam despertos quando ele prosseguiu: ‘Pergunte qualquer coisa que respondo. Agora temos algo muito claro em relação ao livro. Darei a você quanto puder do meu tempo. Você pode me enrolar, mas nunca vou perdoar se fizer isso, cara’”.


Na nem sempre confortável posição de amigo, o que assumidamente interferiu em análises na biografia, Shelton manteve acesso a Dylan enquanto outros repórteres se debatiam em tentativas de entrevistas com resultados dadaístas (aquelas famosas, com perguntas e respostas do gênero “Sobre o que é seu livro?” “Anjos.”; ou “Quantos cantores de protesto existem?” “Cerca de 136.”). O jornalista testemunhou inclusive a origem da aversão do amigo à imprensa: uma reportagem da Newsweek, de 1963, que localizou os pais de Dylan, com quem ele não falava havia anos, e revelou seu nome real, Robert Zimmerman.

Shelton também viria a falar com a família, criando retrato pungente das discrepantes lembranças de Dylan e de seus pais em relação aos tempos em que ele vivia em Minnesota. Mas isso após pedir autorização, como fez também antes de entrevistar Suze Rotolo, a namorada eternizada na capa de The Freewheelin’ Bob Dylan (1963). A esse pedido de Shelton, Dylan respondeu: “Ela sabe mais do que ninguém que, em 1961 e 1962, quando não tinha ninguém por perto, eu tocava aqueles velhos discos de Elvis Presley. Na verdade, eu disse a ela para nunca falar com ninguém. Mas, se você quiser falar com ela, tudo bem. Só não a pressione, ok? Todos a pressionam”.


por Raquel Cozer – originalmente publicado em 'A Biblioteca de Raquel' e no 'O Estado de S.Paulo'

domingo, 27 de fevereiro de 2011

R.I.P. Suze Rotolo, eterna musa!


O site da Revista Rolling Stone publicou que Suze Rotolo, ex-namorada e eterna musa de Bob Dylan, faleceu no último dia 24/02, aos 67 anos. As causas da morte não foram divulgadas.

Suze, a garota que ficou imortalizada ao aparecer abraçada ao bardo na capa do seu segundo disco, ‘The Freewheelin´Bob Dylan’ e eternizada em várias canções do mestre, tais como "Don't Think Twice, It's All Right"; "Boots of Spanish Leather" e "Tomorrow Is a Long Time", havia lançado, em 2009, um livro de memórias (A Freewheelin' Time: A Memoir of Greenwich Village in the Sixties), no qual narrava acontecimentos daqueles primeiros tempos de Dylan, quando este, então um jovem imaturo saído do meio-oeste americano, chegava à cidade de Nova York e dava seus primeiros passos em direção ao estrelato, apresentando-se em bares e cafés do Greenwich Village.



Muitos atribuem à musa, uma boa dose de responsabilidade no amadurecimento de Bob Dylan naqueles primeiros anos. Howard Sounes, um dos melhores biógrafos de Dylan, afirma que Suze era “uma artista que lia Rimbaud e Byron e se envolvia em produções teatrais de Brecht”. Suze esteve presente às sessões do disco de estréia de Bob Dylan. Foi ela quem lhe deu o porta-batom usado para trastear o violão na gravação de “In My Time of Dyin’”. Meses depois, serviu como inspiração p/ boa parte de ‘The Freewheelin´’, disco que a eternizou e que consolidou Bob como o grande artista que influenciaria todas as gerações que se seguiram.

O relacionamento se desfez. Bob casou-se com Sara. Suze uniu-se a Enzo. Mas a inspiração daqueles primeiros anos do artista em formação, ficou para sempre... R.I.P., Suze, eterna musa!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Mais um concerto histórico vê a luz do dia...


Depois do ‘Live at the Gaslight - 1962’, lançado com exclusividade pela rede de cafés Starbucks em 2005 e do memorável ‘Live at Carnegie Hall - 1963’, de uma promoção limitada da Columbia Records, Bob Dylan anunciou em seu site oficial o lançamento de um novo disco “ao vivo”. Na verdade, o “novo velho álbum” captura mais uma apresentação histórica, antes da fama, daquele que viria a se tornar “a voz de sua geração”, na época, um jovem de apenas 21 anos, desta vez o concerto no Brandeis First Annual Folk Festival, na cidade de Waltham, no Massachusetts, no dia 10 de maio de 1963, cerca de duas semanas antes do lançamento do álbum ‘The Freewheelin' Bob Dylan’, cuja gravação foi descoberta recentemente nos arquivos de Ralph J. Gleason, um dos fundadores da revista Rolling Stone, pelo seu filho Toby, numa faxina na velha casa de seus pais, após o falecimento de sua mãe.

Estamos falando do álbum ‘Bob Dylan in Concert – Brandeis University 1963’, que será lançado em CD e vinil, no próximo dia 12 de abril. Na verdade, trata-se de um disco já lançado recentemente, numa edição limitadíssima, como bônus por ocasião da pré-venda do ‘Bootleg Series – Vol.9 / The Witmark Demos’ e do box ‘The Original Mono Recordings’, caixa contendo os 8 primeiros discos do velho bardo, nas suas versões originais, em mono. Portanto, alguns felizardos que fizeram a compra antecipada, inclusive este que vos escreve, receberam o disquinho de brinde, numa embalagem do tipo mini-vinil, de papelão, que aparentemente será substituída nessa nova versão, tendo em vista que, segundo informações oficiais, o álbum trará ainda “liner notes” de de Michael Grey, autor do livro ‘The Bob Dylan Encyclopedia’, com considerações a respeito das 7 músicas presentes no disco e também sobre os contextos histórico e cultural vividos naquela época.



No texto, elaborado especialmente para este lançamento, Grey destaca que “é um milagre que a gravação ainda exista”. A gravação raríssima, até então inédita, posto que nunca havia sido disponibilizada nem mesmo por “bootleggers”, traz áudio em mono, registrado diretamente da mesa de som e com qualidade suficiente para ser lançada oficialmente.

Confira abaixo a lista completa de faixas:

• Bob Dylan In Concert: Brandeis University 1963

1 – Honey, Just Allow Me One More Chance (incompleta)
2 – Talkin’ John Birch Paranoid Blues
3 – Ballad Of Hollis Brown
4 – Masters Of War
5 – Talkin’ World War III Blues
6 – Bob Dylan’s Dream
7 – Talking Bear Mountain Picnic Massacre Blues

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Baixe o volume do áudio e percorra as próximas páginas


No texto abaixo, uma mais que bem-vinda colaboração de um grande amigo dylanesco, o popular 'Visconde'. Boa leitura!

Se ouvir os novos trabalhos do Dylan é como aguardar um próximo capítulo de um romance surpreendente que nunca se fecha, a expectativa de lê-lo sempre foi imensa por parte de um séquito qualificado de fãs. A pergunta era: seria capaz, o compositor e poeta mais destacado do século XX, oferecer uma prosa escrita a altura do seu talento na música?

A agência de notícias EFE divulgou no último dia 20/01, que o músico americano Bob Dylan assinou contrato para escrever seis novos livros, que eventualmente serão distribuídos pela editora Simon & Schuster. Em 2004 a editora americana publicou com sucesso de vendas “Crônicas: Volume 1” de Dylan. Dos volumes previstos, dois deles serão a continuação da trilogia proposta por “Crônicas”, que foi muito elogiada pela crítica.

Muito provavelmente a Editora Planeta do Brasil deverá assegurar o direito de reprodução para a língua nativa e repetir semelhante quantidade de vendas do Volume 1, que disponibilizou no início de 2005. Será o suficiente para que os fãs e admiradores do cantor e compositor americano possam ler da própria lavra do mestre aspectos e passagens de parte da sua longa e profícua carreira.


Mas ai que está. Dylan beira aos 70 anos a serem completados ainda neste primeiro semestre e a dúvida, com alguma pertinência, é sua capacidade e disponibilidade de tempo para escrever tanto de forma sã e compatibilizar com seu circo permanente de apresentações cuja agenda é das mais exigentes. Dylan tem se notabilizado, entre outras coisas, pela aparente decisão de levar a sua arte onde as portas estiverem abertas, sempre de maneira surpreendente e inovadora. Faz parte da tradição e comportamento do músico, desde há muito, não repetir performances tal qual roteiro de teatro. É sempre uma nova e nem sempre tão feliz abordagem de músicas dos mais de quarenta anos de carreira permeada com a produção recente. Basta lembrar que conta-se nos dedos de uma mão o número de compositores da chamada música popular que continua apresentando novas obras como ele.

A dúvida pode fazer algum sentido para os mais desatentos. Acredito em outra coisa. É muito provável que a sequência de Crônicas já deva estar em condição de prelo. Faz muito sentido Dylan ter esboçado e rascunhado a continuidade do primeiro volume no mesmo período em que o disponibilizou. Talvez apenas alguns detalhes estejam sendo considerados antes do seu lançamento, como ainda pode ser que faça parte de uma estratégia de vendas em doses homeopáticas para melhor assimilação do leitor. É da natureza do Dylan a produção de fôlego em quantidade e qualidade como o prova seu primeiro período de gravação, lá pelos anos 60 e o que foi servido na primeira década deste século: trabalhos impecáveis, amplos; novidades e referenciais adequados ao momento histórico da humanidade e da cronologia do próprio autor.


Se ouvir os novos trabalhos do Dylan é como aguardar um próximo capítulo de um romance surpreendente, que nunca se fecha, a expectativa de lê-lo sempre foi imensa por parte de um séquito qualificado de fãs. A pergunta era: seria capaz o compositor e poeta mais destacado do século XX oferecer uma prosa à altura do seu talento na outra arena? A resposta é sim e desta vez não estava no vento e sim nas páginas do primeiro volume de Crônicas. Literatura de primeira, coloquial sem ser simplório; criativo sem ser surrealista como parte de suas letras de música, objetivo e envolvente.

Nas pouco mais de trezentas páginas do primeiro volume, percorremos um período curto da vida do artista orientado por ele próprio e nesse percurso ninguém se perde no caminho apesar das particularidades e especificidades da América do início da segunda parte do século XX. Dylan nos brinda com uma articulação de idéias concatenadas e amarradas entre si de maneira a não nos distrairmos e nos perdermos com a generosidade de detalhes que acompanha as laudas. Um evidente talento como escritor. Serve informações alocando-as em contextos que ganham ares de uma composição pictórica, outro talento relativo do músico que já o depositou em telas que circulam por algumas galerias na Europa. E o que mais impressiona. Não há sequer uma linha ficcional em toda a obra como prova uma rigorosa comparação, por exemplo, com o livro “Dylan - A Biografia”, de Howard Sounes, publicado em 2002 pela Conrad Livros.


É possível percorrer com a voz e vez do Dylan algumas passagens muito semelhantes às narradas pelo Sounes em seu livro biográfico, o que lhe confere maior credibilidade, reforçando a recíproca que se torna verdadeira, daí exclamamos: “Hã! Então foi assim mesmo que as coisas aconteceram”.

Prato refinado e de qualidade para os fãs que vão sorvê-lo de um fôlego só, poderá ser apreciado sem moderação por qualquer um que tenha algum interesse num dos mais fascinantes personagens e sua obra dos tempos modernos.

J. de Mendonça Neto (Visconde)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Que porra é Bob Dylan?

Aqui vai mais um texto do jovem e talentoso blogueiro gaúcho, Jonathan Rocha. Mais um amigo a dar sua contribuição ao Blog Dylan:

Aquele ar cigano, de pirata desencarnado, ou de vagabundo sem lar, que atravessa uma cidade com um cigarro na mão, atrás de fogo pra acender e tragar uma fumaça compatível com sua saúde, aquele ar, aquilo, exatamente aquilo é uma incógnita. Eu não quero definir esse ar, não quero encontrar a resposta pra essa pergunta. Isso nem teria como. Mas eu quero me indagar até o fundo da minha alma, quero exercitar os neurônios estrapolados do meu cérebro para tentar entender: que porra é Bob Dylan?

Procurei nas entrelinhas - nas estrelinhas também - embaralhadas do Chronicles e só encontrei mais rotas sem sentidos, desconexas. Na verdade não gostaria de encontrar a resposta, mas me esforço em raciocinar sobre, talvez se um dia encontrar eu escreva um livro contando. Talvez vire best-seller. Mas esse ar cigano, essa imcompreensão é o que compõe a mística desse judeu de ar cansado. E eu sei que aquela voz rouca que lança um uivo de dor, não quer ser ouvida pelo entusista descobridor de mistérios, mas quer lançar perguntas ao ar, quer fazer as situações-problemas aparecerem e desaparecem como um raio. E no final das contas, a gente coloca um disco do Dylan, acende um cigarro e chora ouvindo uma canção sem nem precisar entender que porra ele é.

Essa é a resposta da pergunta? Claro que não. Se fosse tão fácil assim os fazedores de hits na internet teriam a mesma mística, não? Então vai mais além. Mas vai até onde? Não quero saber, eu só quero mesmo é divagar um pouco sobre essa figura singular. Eu já sei que a resposta está soprando no vento, e que ele leva e traz essa resposta. Eu quero me antenar pra não perder ela de vista, deixar ela sempre a dois palmos da minha percepção. Mas nunca ouvi-la, definitivamente. Manter a incógnita, o mito, a preocupação em descobrir que porra é esse tal de Robert Allen Zimmerman!?!? Dizem que é muito mais que um cantor que escreve e canta poesias retiradas do fuindo das entranhas de um coração partido envelhecido em whiskey doze anos. Dizem que é muito menos que isso, um babaca, uma tarturuga escondida num casco. Mas põe casco né? Casco de cowboy solitário e de cristão renascido.

Acho que ele é o dono do Desire, isso basta. Basta até o café esfriar, e o tempo do outro chegar na mesa. O tempo do cigarro percorrer metade do papel e quase encostar no filtro, fazendo meus dedos recuarem por culpa do calor. É só o tempo de duvidar de quem é Bob Dylan, aí não basta mais. Vira outra coisa, troca de figura. Vira o dono do Bringing it All Back Home. Traidor do Folk. Os Mutantes também trairam a música brasileira, ou não? Essa história de guitarra elétrica já deu o que falar. O negócio, eu acho, é a traição. Dylan traiu a todos, por isso não podemos achar uma explicação. Como responder uma mentira, uma pergunta que não existe? Ele só é. Entendeu a ênfase no "É"? Então, tudo como está e para de se questionar.

Vou tentar não perder o vento de vista, deixar o ar cigano tocar nas minhas narinas e entrar nos meus pulmões. Ouvir a voz rouca praguejar contra a chuva, contra a sala de estar, contra qualquer coisa. Vou apenas me acomodar numa poltrona velha, colocar a mão no queixo e em posição filosófica endagar outra vez - não antes de rir de todo esse texto ridículo: Que porra é Bob Dylan?

Por Jonathan Rocha
Texto originalmente publicado no blog http://thesadparadise.blogspot.com/

Transformar o cara em Cristo, para depois chamar de Judas.


Por Jonathan Rocha, músico e escritor beat, 19 anos, de Porto Alegre/RS.

Talvez já tenha se dito ou especulado quase tudo sobre a vida e/ou carreira (artística) de Bob Dylan. Sobre os tempos reclusos, guerras conjugais, problemas com drogas, problemas com público, canções, interpretações falhas e também boas interpretações de sua obra. Mas acho que acima de qualquer pesquisa que se faça, acima de qualquer teoria, interpretação acadêmica, conversa de bar; está aquela sensação agradável (ou não) de ouvir uma canção, um suspiro que preenche a gaita, o toque dos dedos sujos na guitarra, ou no violão acústico, enfim, a sensação quase sempre única de ouvir algum trabalho do Dylan. E isso quer dizer que não importa o que o crítico disse sobre o disco, o que os fãs falam sobre a música ou que história ela guarda consigo, o que importa é o sentimento que eu sentirei quando os primeiros acordes soarem.

Não existe nenhum deus, nenhum herói, existe um cara compenetrado em escrever suas canções para desafiar o mundo, os críticos e - incrívelmente - os fãs. Toda interpretação que se faz, e isso não se vale apenas para as músicas do Dylan, é só metade do que a música representa, a outra metade não pode ser escrita, porque ela só se nota quando transborda pelo nosso corpo, seja em lágrimas ou em urros de raiva. Assim como as canções tribais, as sinfonias das metrópoles, as canções de Dylan simplesmente existem porque deveriam existir. Aquilo é um conjunto, Dylan traduz o asfalto quente, o óleo diesel, o canto do pássaro em retirada, a fumaça dos cigarros... e como interpretar uma coisa dessas? Só nos resta sentir e o que tornará isso mais interessante é que cada um sentirá da sua maneira, conforme ele vê ou sente o asfalto, os pássaros e os cigarros. As teorias, as conversas, as interpretações, são todas tentativas de explicar esse sentimento, não as julgo erradas, eu sempre que possível faço isso, é até um exercício para entender melhor estes sentimentos. Mas the answer is blowin´ in the wind, e o vento já passou, a gente só olha pelo retorvisor e sente um vazio no peito. Por isso, fumar um cigarro olhando o disco se movimentar na vitrola, calmamente junto com a melodia, é igual (ou melhor), que tragar aceleradamente em uma mesa de bar, atormentado por aditivos noturnos tentando conversar um outro que "Desire" é melhor que "Highway 61". São tentativas, são interpretações, pessoais, interpessoais, chapadas, ordenadas; são sentimentos, são movimentos internos. É apenas uma canção, um som dançando em nossos ouvidos, mudando gerações, fazendo pessoas entrarem ou sairem do buraco. Este é Bob Dylan.

Mas nessa confusão toda de sentimentos, de busca por explicação ou de tentar se aproximar do cara, acredito que uma coisa está certa: Bob Dylan traduz a metáfora da vida. Assim como outros artistas também o fazem muito bem (Julio Reny, no Brasil; Johnny Cash, lá fora...), assim como outras formas artísticas também fazem, assim como o próprio futebol representa uma metáfora da vida, nos campos tortuosos e sujos de várzea onde alguns talentosos se sobressaem aos esforçados e nobres zagueiros. A metáfora é essa, a vida não é fácil, não é um gramado verde limpo e liso, é um campo esburacado, com sinais de uma guerra, é a guerra vista do front. E o cara traduz isso, o cara saca essa metáfora e amplifica a guitarra pra fazer isso, ou simplesmente senta com um violão acústico e uma harmônica. As mudanças de estilos, as trocas de sonoridades, são adaptações, adaptações que sua alma faz ao mundo que engole asfalto lá fora. Não se muda o mundo com uma canção, então não há o que insistir no mesmo erro. A metáfora está na nossa frente o dia todo, nos metrôs lotados, nos ônibus pegando fogo, e alguém precisa armazenar isso nas nossas telas da vida, alguém precisa botar a cara a tapa. Ser o Judas e ser o Cristo, ao mesmo tempo.

Texto originalmente publicado no blog http://thesadparadise.blogspot.com/