terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Há 40 anos, Bob Dylan colocava nas prateleiras um de seus álbuns menos prestigiados.


Eis aqui mais um artigo da lavra do amigo dylanesco Márcio Grings, jornalista, blogueiro, cronista do Diário de Santa Maria-RS e locutor/apresentador da Rádio Gáucha SM:

A sugestão deste post veio via amigo Sergio Pinho Alves. Em junho de 1970, Bob Dylan lançou um de seus discos mais porreteados de todos os tempos. Tanto que a famosa crítica do jornalista da Rolling Stone, Greil Marcus, começava assim: “Que merda é essa?!?!”. O LP duplo trazia uma colcha de retalhos de canções folclóricas que, ora flertam com o country, folk ou blues. Além disso, algumas faixas ao vivo gravadas meses antes no Festival da Ilha de Wight, acompanhado da The Band, também ganharam luz nessa obra. O resultado final foi um verdadeiro saco de gatos musical. A impressão de muitos na época era de que a fonte criativa de Dylan havia finalmente secado. E esse lance de recorrer ao repertório e aos músicos de Nashville, além de soar oportuno, para alguns também dava pinta de ser “o passeio de um intruso pelo terreno sagrado do cancioneiro americano”. Dessas sessões na primeira metade de 1970, saíram 24 canções que assinaram o trabalho. Segundo o próprio Dylan, ele apenas “aquecia a banda com algumas dessas canções”, e talvez no mínimo uma meia dúzia de números tenha sido registrada de forma equivocada. Outra dúzia de temas ficou devidamente arquivada. E nada dessas sobras foi utilizada no álbum posterior – “New Morning” – lançado quatro meses depois de "Self Portrait", também em 1970. Vale lembrar que mais rebarbas de covers foram usadas para os ensaios de “New Morning”, e também foram (supostamente) jogadas direto dentro de uma gaveta escura da Columbia, de onde (teoricamente) nunca teriam saído.

Depois dessa experiência de levar bordoada de todos os lados, seja da crítica ou do seu público, Dylan virou gato escaldado do artifício de revisitar canções típicas. Como já dissemos, a intenção dele era de que esses temas fossem sepultados para sempre e que nunca mais vissem a luz da humanidade. Infelizmente para ele e, talvez, felizmente para nós, não foi o que aconteceu.
O fato curioso é que essas sobras foram usadas como moeda de chantagem pela Columbia, quando seu disputado ex-menino dourado dos anos 1960 negociava um novo contrato com um selo concorrente. E como a Columbia detinha o direito sobre essas sobras malditas (malfadadas, pelo menos na visão de seu criador), resolveu as lançar em novembro de 1973. Em suma: Dylan foi obrigado a engolir esse sapo. Depois de passada a turbulência, quando o artista renovou seu contrato com a Columbia (onde está até hoje), ele exigiu que o disco fosse retirado do catálogo da gravadora. E foi o que aconteceu. O renegado álbum “Dylan” (como foi batizado o LP) virou peça de colecionador. Lembro que no início dos anos 1990, importei esse título em k-7 (via Japão), já que fora a única forma que havia encontrado de comprar o item que faltava na minha coleção. Atualmente ele pode ser facilmente encontrado em LP (via mercado de usados). Já em CD, o álbum continua sendo muito valorizado. Quem quiser adquiri-lo terá de pagar uma soma considerável para colocá-lo na estante.

Assim como “Self Portrait”, o disco “Dylan” parece ter melhorado com o passar do tempo. Sob esse verniz, muitos perceberam que havia adjetivos no contexto dessas sessões. Alguns artistas, inclusive, citam essa leva gravada na virada de 1969/1970 como influência nas suas respectivas obras. É o caso de Ryan Adams, por exemplo. Ouça o álbum de Ryan Adams & The Cardinals – “Jacksonville City Nights” (2005) e comprove.

Ainda sobre o álbum “Dylan”, que chega aos 40 anos de seu lançamento em 2013, uma das grandes críticas ao produto final que foi colocado nas prateleiras, passa pela mixagem, que realmente soa ruim em algumas faixas. Diversos dos backings femininos, por exemplo, parecem sobrepor a voz do protagonista. E das canções que figuraram no setlist do LP, há algumas autênticas “bolas fora”. Caso de “Mr Bojangles” (Nitty Gritty Dirty Band) e “Big Yellow Taxi” (Joni Mitchell) e “Ballad of Ira Hayes”, canção que se tornou conhecida na voz de Johnny Cash. Essas três versões não passam de meras alusões empalidecidas das originais.
Mas separando o joio do trigo, como não gostar de “Lilly of The West", “Can’t Help Falling in Love” (conhecida na voz de Elvis Presley), “A Fool Such As I” e a minha preferida: “Spanish is The Love Tongue”. Essa última inclusive saiu em compacto como lado B de “Watching The River Flow”, (1971) numa versão mais intimista da lançada dois anos depois. Na música, Dylan arrisca em cantar parte da letra em espanhol.

Nota 5 para o disco. Mas um nota 5 num LP de Bob Dylan tem peso maior.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Está tudo lá!


Acabo de rever, sei lá por quantas vezes, o filme ‘I’m Not There’ (Não Estou Lá, EUA, 2007), cinebiografia poética e surrealista de Bob Dylan, dirigida por Todd Haynes, que utilizou nada menos que 6 atores para interpretar as deferentes fases e aspectos da vida do músico.

Fazia tempo, muito tempo, que não colocava o filme pra rodar e é absolutamente incrível como a cada vez que revisito a película, mais a acho genial! Está tudo lá! A punjança, a beleza, a ira, a melancolia, as idas e vindas da vida e carreira do cantor/compositor/poeta/profeta/artista mambembe ou seja lá como for que você queira rotular o sujeito que, de repente, resolveu atender pelo nome de Bob Dylan. São inúmeras as referências, as citações, os saltos temporais e um misto de realidade crua e fantasia.

O pretexto da vez era procurar uma citação pra uma amiga, sempre uma desculpa pra dar ‘play’, novamente, no disquinho... Algumas cenas são de uma sutileza ímpar, daquelas em que parece ser possível sentir as lufadas de vento entrando pelas janelas.

O filme é quase um delírio do diretor norte-americano, no fundo, um fã confesso de Bob Dylan. A cinebiografia é bastante curiosa pela maneira como a história é contada. Como fosse uma poesia moderna, que foge à métrica tradicional, mas que encanta justamente por isso. É exatamente aí que está o talento do diretor, em transpor para as telas a genialidade do biografado, um artista que enveredou por diversos caminhos e, quando foi seguido, mudou de direção, sempre mantendo o único propósito, tradurzir-se em suas canções...
O elenco do filme é bárbaro e, como já citei acima, Haynes dividiu as diversas ‘personas’ do velho bardo, em diferentes personagens e o melhor de tudo, conseguiu que todos os atores ficassem bem à vontade, de fato encarnando os seus papéis. Seja o Dylan jovem/criança, interpretado por Marcus Carl Franklin, ou o Dylan dos primeiros anos e depois o cristão convertido, interpretados por Christian Bale. Seja o super-astro encarnado por Heath Ledger, ou o Dylan elétrico, papel que, surpreendentemente foi desempenhado por uma mulher, Cate Blanchett. Seja o poeta Dylan/Rimbaud interpretado por Ben Whishaw, ou ainda o fora-da-lei Billy The Kid, interpretado por Richard Gere. 

Épico, dramático, intimista, western, road movie. O filme se transforma na medida em que cada um dos personagens se sucedem. Outro ponto alto é a fotografia, muitíssimo bem trabalhada. Ora em preto e branco, ora num colorido no qual vários tons de amarelo se sobressaem. 

Obviamente que aqueles que não são familiarizados, que não conhecem de perto a vida e a obra do biografado, podem não entender todo o alcance do que vêem na tela e se sentirem um pouco “por fora” do contexto. Mas para os fãs e simpatizantes do bardo, posso garantir, é altamente recomendado.
Experimente ler uma das biografias de Bob Dylan disponíveis no mercado, ou ainda assistir o documentário ‘No Direction Home’, dirigido por Martin Scorsese, e depois encarar ‘I’m Not There’. É uma viagem, uma experiência incrível, uma baita iniciação ao universo dylanesco! 

Mesmo as passagens mais complicadas, como p. ex., as cenas do personagem ‘Billy The Kid’, passarão a fazer todo sentido e o expectador poderá facilmente entrar no clima criado por Haynes.

See you later, Allen Ginsberg!